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“Quando escrevo um conto procuro
instintivamente que seja de algum modo alheio a mim enquanto demiurgo.” Esse
preceito de Cortázar veio-me como primeira percepção ao iniciar a leitura dos
contos de Eugênio Leandro, enfeixados sob o título A noite dos manequins. Eugênio não deixa manchões de autoria ao
transferir aos narradores a responsabilidade de seus enredos, pois narra com notável
espontaneidade e leveza. Seus personagens, como os de Juan Rulfo, por exemplo,
habitam uma região determinada, mas vão além da paisagem, porque atingem
universos interiores complexos, com aparência de comezinhos, e se nos apresentam
com despretensão, sem melodrama ou afetação. Se para Vargas Llosa “toda vida
merece um livro”, é fácil concluir que todo episódio pode instigar um conto,
desde que trabalhado por mentes e mãos habilidosas.
Eugênio manipula com sutileza a
narrativa. O leitor vai sendo vencido por pontos, vai envolvendo-se num clima
que jamais promete temporais, mas sempre relampeja no final, com inferências
reveladoras que dão gostoso tempero às histórias. No ato transitório de um
parágrafo a outro, o narrador consegue conduzir o leitor do drama ao humor,
demonstrando técnica e talento de contista maduro. Sua economia de meios
empresta aos contos uma atmosfera prosaica, mas nunca simplória. A mão sempre
leve na tessitura, disfarça bem a carga psicológica das situações, vividas por
gente simples, do povo, o que se justifica com a epígrafe de entrada, tomada de
André Gide: “Nunca tive gosto de retratar os triunfantes e os gloriosos deste
mundo, mas antes aqueles cuja verdadeira glória permanece oculta.”
Para usar de uma velha expressão
tão natural ao universo de Eugênio Leandro, que também é compositor e escreveu algumas
das mais bonitas páginas do nosso cancioneiro popular, podemos dizer que Águas de Romanza é o “carro-chefe” desse
volume de contos. Mas peças como A cômoda,
A pequena, Teruel, Contita (um
primor), encantam pela poesia e fisgam pela desenvoltura. E se por analogia
pensássemos no livro como um long play?
Se me perguntam que contos comporiam o lado B, eu diria que nesse caso melhor
seria fazer analogia com o CD, pois todas as peças ficariam do mesmo lado, sem
acepções. Feita essa brincadeira, que talvez as gerações maios novas nem
compreendam, só tenho mais algo a dizer: A
noite dos manequins agrada pela harmonia dos temas (unidade), pela
versatilidade da linguagem (ritmo) e pela expressividade dos meios (estilo).
Enfim, um livro brasileiramente universal.
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