06/03/2010

O Vermelho e o Simples (Dois livros de Henrique Beltrão)



Por Carlos Vazconcelos

Faz de conta que era uma vez/
Nós fomos felizes para sempre.
(in Vermelho, p. 73)

A poesia de Henrique Beltrão é antes de tudo afeto, é o que pulsa no coração e ressoa na alma. Tudo dito com naturalidade. Daí os títulos Vermelho (leia-se à flor da pele) e Simples (leia-se translúcido). A ele só interessa cantar a essência poética, sem preocupações profundas com as formalidades que arruínam tantas intenções. Sua engenharia é simples sem ser simplória. Dialoga com músicos, sábios e múltiplos poetas, principalmente Vinícius: As rimas suas me banham a pele,/a língua sua é a mesma minha. Ele próprio não é apenas um poeta, mas um discípulo da poesia, com tudo o que nela há de humano e divino. Assim como Quintana, sabe que fora da poesia não há salvação. O fazer poético é sua oração, poesia nossa que estais em nós,/ pronunciado seja o vosso nome. Adverte, ainda: Se não houver música e poesia,/ao meu enterro eu não compareço. E sai destilando versos feito quem abre gaiolas. Tenta reter a vida para ganhar asas. A poesia é seu abrigo e seu horizonte.
Devem-se folhear as páginas dos livros de Beltrão como quem descerra janelas, de par em par, e espera não menos que a simplicidade da brisa, a integridade dos raios de sol, a beleza cotidiana do dia. O poeta passa ao largo dos spleens tão em voga nestes tempos ditos pós-modernos. Para ele poesia é celebração, de si, do outro, do mundo de fora e de dentro. Então construí um poema de vidro./Se o puseres ao sol verás a riqueza de suas matizes. Sua poesia é variada e delicada, o que pode levar o leitor a perceber um teor epicurista nas suas intenções. Ao mesmo tempo, o leitor vai se deparar com segredos subjacentes, que revelam uma boa dose de estoicismo, aprendido com os sábios que o poeta costuma visitar, muito bem exemplificado nos seguintes versos: A vida é um milagre. A morte é uma benção/para desfrutarmos do milagre./A morte nos grita: Viva! Viva bem. Um poeta nunca é uno, todo poeta é diverso. Vermelho e Simples são multicoloridos.
Beltrão não quer a poesia apenas para si, divide, soma, multiplica, semeia versos com alegria pela cidade inteira. A minha vida é toda pautada/na palavra e na interação com o outro. Mas o menestrel vai-se embora, vai se ausentar do corpo físico da cidade-namorada, embora saibamos que não há intervalo para o estado poético. Ele levará seus tesouros: a amada, o mar, o bar, o ar de Fortaleza. Voltará ainda mais rico, voltará ainda mais lírico dessa travessia.   
Mora no reino das palavras, mas justamente lá sabe encontrar o mestre silêncio: Nos meus pensamentos há silêncios de catedrais à meia-noite. Beltrão é um poeta que não perde a esperança. E sabe reparti-la com seus leitores.

O poeta é feito da sua gente.
Seus versos são filhos do seu lugar.
(in Simples, p. 81)

Um comentário:

  1. Olá Carlos,
    Não é a primeira vez que leio textos seus falando em livros e autores.

    Se eu fosse um livro gostraria de ser prefaciada por você.

    Você, além do conhecimento, tem o dom de captar o conteudo do livro, e nos repassar com infinita magia.

    Dificil não ficar encantada com seu relato descritivo e não sair da leitura cheia de curiosidade em relação as obras citadas
    Um abraço,
    Dalinha

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